segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

ensaio número um

"- Posso fazer-lhe uma pergunta íntima?
- Depende - responde o português.
- O senhor alguma vez desmaiou, Doutor?
- Sim.
- Eu gostava muito de desmaiar. Não queria morrer sem desmaiar.
O desmaio é uma morte preguiçosa, um falecimento de duração temporária. O português, que era um guarda-fronteira da Vida, que facilitasse uma espadela dessas, uma breve perda de sentidos.
- Me receite um remédio para eu desmaiar.
O português ri-se. Também a ele lhe apetecia uma intermitente ilucidez, uma pausa na obrigação de existir.
- Uma marretada na cabeça é a única coisa que me ocorre.
Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso."

Mia Couto - Venenos de Deus, remédios do Diabo

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